Regulação de Redes Sociais Encontra Resistência Política

A regulamentação das redes sociais com regras claras e bem definidas sobre as obrigações e atribuições das big techs e também dos usuários é pauta que ganha temperaturas diferentes no Congresso Nacional, dosadas pela opinião pública. Sempre que há um fato que gera consternação e repercussão nas mídias nacionais, o texto volta a ser lembrado pelos parlamentares. Em sentido contrário, a prioridade perde força e o assunto esfria à medida que outros temas ganham espaço no debate político.
O exemplo mais recente desse termômetro tem relação com casos de crianças e jovens vítimas de conteúdo violento nas plataformas digitais. No início do mês, uma menina de 8 anos perdeu a vida após inalar aerossol depois de ser submetida ao ridículo "desafio do desodorante", trend que circula no TikTok. Nas redes, há outras tendências macabras que induzem vítimas indefesas a inalar cola, giz, corretivo, tragar cotonete, se automutilar e até se enforcar ao vivo. Seria até um contrassenso, numa época em que o acesso à informação é globalizado, pessoas serem ludibriadas por correntes violentas com receio de serem “canceladas” e sofrerem bullying digital. Infelizmente, essa é a triste realidade.
Um levantamento recente feito pela GloboNews mostra que o tema ainda terá que lidar com muita resistência política e amadurecimento sobre o real poderio e ameaça que esses canais representam à sociedade sem um fito regulatório. Até a última atualização dos dados da pesquisa, apenas seis dos 20 partidos com representação na Câmara dos Deputados consideram prioridade a regulamentação das redes sociais. Juntos, esses partidos têm uma base de 172 parlamentares de um total de 513 deputados federais que integram a Casa. Ou seja, número ainda muito inferior ao necessário para aprovação de um projeto de lei.
Entre os partidos que se declararam contrários à proposta, as defesas alegadas giram em torno da liberdade de expressão e do livre acesso à manifestação. O que mostra que as divergências esbarram não somente nas ideologias, mas também enfrentam o poderio econômico das grandes corporações te e a vitrine que suas redes proporcionam aos próprios parlamentares. São nas redes sociais que os políticos encontram terra fértil para propagar suas propostas, bem como impor seus posicionamentos, muitas vezes distorcidos, tendenciosos e sem embasamento científico. E, como vemos, as plataformas digitais aceitam de tudo. Prevalece a lei do "quanto pior (o conteúdo), melhor (o alcance e o engajamento)”.
Em se tratando de política, há sempre o interesse pessoal — e de um seleto coletivo — por trás das intenções. E no caso da regulação das redes sociais, não é diferente. Há dois pesos e duas medidas para tratar de um mesmo assunto. O Projeto de Lei das Fake News, conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, chegou ao Congresso pelo Senado. Foi protocolado em maio de 2020 e aprovado no mês seguinte. Em julho do mesmo ano, foi encaminhado à Câmara. E por lá se encontra até hoje.
Aí fica a pergunta: o que mudou no cenário nacional de lá pra cá? Em 2020, quando os senadores aprovaram a proposta, o mundo vivia sob o medo de uma pandemia de Covid-19. Os conteúdos nocivos já existiam e ganharam impulso com as pessoas reclusas em suas residências.
A segurança de crianças e adolescentes em ambientes online não melhorou nesses últimos cinco anos. Pelo contrário. Os casos de suicídio, automutilação e circulação de conteúdos de contexto violento, sexual e agressivo só aumentaram.
Temas como desinformação, proteção de menores, responsabilidade das plataformas, liberdade de expressão, censura e regulação são espinhosos, complexos e exigem um debate profundo e especializado. A questão, no entanto, não é mais o tempo. Cinco anos é um intervalo suficiente para formar opiniões, comparar cenários e colocar o assunto em votação.
A meu ver, resta aos deputados avaliar o que é prioridade. Não para eles e seus grupos, mas para a sociedade a qual representam. A defesa pela manutenção das emendas secretas e a indicação de mais recursos públicos, sem preocupação com a transparência, já demonstrou que não há bandeira, ideologia ou divergência política que impeça um projeto de ser votado. Ou será que a proteção de crianças e adolescentes tem um grau menor de importância na escalada política de prioridades?
Fonte: Jornal Correio de Uberlândia
Gostou desse conteúdo e quer saber mais? Acompanhe o portal ou as nossas redes sociais.